“Vai namorar comigo, sim”
Tô aqui, com o pé atrás de escrever esse texto. Mas tô também achando que ele precisa ir pro mundo.
Então vou começar com uma história sobre outra coisa.
Quando assisti Passageiros (Passengers, 2016), sai do cinema com a sensação de ter visto um bom filme de romance, ficção científica e aventura. Logo depois, terminei a leitura da crítica do filme feita pelo Pablo Villaça, do portal Cinema em Cena, e minhas reações foram, na sequência: concordar com absolutamente tudo que Pablo escreveu, morrer de vergonha por ter gostado daquele filme – que não era nem de romance, nem de ficção científica, nem de aventura – e nunca mais falar sobre isso.
Fiel à minha última reação, e também querendo evitar qualquer spoiler caso vocês não tenham visto, vou falar de outra coisa.
“Se reclamar, cê vai casar também”
Eu sei.
Eu sei que essa letra – como tantas outras – pode ser interpretada de um jeito romântico – acredito, inclusive, que foi assim que ela foi pensada, quase que de um jeito inocente por quem quer que tenha escrito essa canção. Até porque esses versinhos de imposição de namoro, casamento e regime de bens são todos cantados de um jeito meio amorzinho, soft.
E essa música em especial não me incomodava tanto quanto outras, que acho bem mais ofensivas e perpetuadoras dessa cultura de meninos-não-podem-ouvir-não, mais inescutáveis, por assim dizer. Mas nas últimas semanas, voltei a pensar nessa letra, e pude concluir que talvez ela seja pior do que eu tinha achado que ela fosse.
“Com comunhão de bens”
Pra mim, música é uma forma bem significativa de manifestação cultural. De modo geral, ela acaba apresentando pro mundo um modelo de pensar tão popular que estoura nas rádios e toca o tempo todo. Então, se a gente ouvir com atenção, consegue escutar, por trás de cada música chiclete de carnaval, como se pensa em determinado local.
É claro que ritmo, repetição, carisma, voz, jabá, tudo isso também faz ou não o sucesso, mas acho que o que é dito no meio da canção tem uma parcela importante nessa fórmula.
E quando a gente escuta tanto uma música (ou uma ideia, ou um conselho, ou uma regra, ou quando vê no cinema uma história “de romance, ficção científica e aventura”) a gente acaba por aceitar. Não é consciente. Nada disso é pensado antes de ser feito.
Quando eu vi Passageiros, não pensei nas implicações problemáticas daquele filme, eu só gostei da história, um cara e uma moça, passando por desventuras de ter acordado noventa anos antes do prazo, numa nave espacial da qual podem nunca mais sair.
Todas as vezes que ouvi Vidinha de Balada até umas duas semanas atrás, o que mais me incomodava na letra era o trecho “dar outro gosto pra essa sua boca de ressaca”.
Somos todos frutos do nosso próprio tempo, do que o nosso tempo naturaliza pra gente. E é só quando a gente dá atenção suficiente pra algo que antes não merecia tanta atenção assim que a gente consegue ver que o natural, na verdade, é um conceito bem fechado, bem produzido, bem empacotado e bem imposto pra gente.
No fim das contas, cinema e música – se a gente olhar pra essas coisas com um pouco mais de cuidado – são duas formas de enxergarmos como uma determinada sociedade pensa.
E são, também, formas de resistir, de tentar fazer com que um pensamento não seja repetido sem qualquer reflexão. De tentar desnaturalizar algo que, antes, parecia tão pronto quanto um “tô afim de você e se não tiver cê vai ter que ficar”.
A gente não vai ter que nada, não.
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Karupin
Hoe, Marta! Tudo bem? 🙂
Me-ni-na, falou tudo! Como fico indignada quando converso com as pessoas problematizando filme, fala ou música e elas desconversam ou se recusam a ver esse contexto de que se está ratificando uma “certeza social”. Acredito que foi no último domingo que assisti ao The Voice Kids e fiquei triste por ver crianças achando maravilhoso cantar a plenos pulmões umas letras de sertanejo universitário de dar arrepio na espinha, de tão machistas! Acho que esta estava até inclusa no repertório; conheci nessa oportunidade (porque não costumo ouvir rádio) e fiquei atônita.
Às vezes, penso que o problema está no papel de embrulho: se é funk, o alarme acende; se é sertanejo universitário (e me atrevo até a somar uns MPBs da vida), o alarme é inerte. Se é filme de outra nacionalidade, temática gay ou negra, solta o giroflex; se é Hollywood com atores brancos consagrados ou negros – considerados brancos, de tão bons -, nem tchum. De novo, mais uma prova de que isso é um reflexo de como nossa sociedade pensa.
Obrigada por compartilhar seu pensamento. Ah, não assisti a Passageiros, mas a premissa de surgir um romance com o(a) único(a) parceiro(a) disponível num local confinado em meio ao espaço sideral já não tinha me agradado… 🙁
Beijos, flor~
Ju
‘Tire suas mãos de mim, que eu não pertenço a você’
O que aconteceu? Estávamos cantando Será há uns anos passados!