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Frida é um símbolo. Um não. Vários.

Seus autorretratos estampam bolsas, cartões, camisetas, mochilas, livros. Seus vestidos típicos, cabelos marcados, adornos e sobrancelhas unidas representam todo um discurso. Um não. Vários.

Quando eu estava na faculdade de História, apresentei um seminário sobre Frida pra disciplina de América. Nosso debate era sobre como estavam ligadas arte, identidade nacional e política na história do México do começo do século XX. Lá, há uns bons dez anos, eu não dei a devida importância praquele trabalho, mas mesmo não tendo levado o compromisso tão a sério, a história que envolve a vida de Frida ficou comigo. É uma história de sofrimento intenso.

Aí, na semana passada pude visitar o Museo Frida Kahlo, em Coyoacán, na Cidade do México, e a experiência entrou direto na lista de coisas mais impressionantes que já vi. Como isso aconteceu há pouquíssimo tempo, ainda não consigo dimensionar o real impacto do museu na minha vida, mas vou tentar escrever alguma coisa sobre ele. Ou sobre um cantinho dele que eu acho que tem tudo a ver com a proposta revolucionária do Não Repete.

A exposição “As Aparências Enganam: os vestidos de Frida Kahlo” foi montada em uma área separada do museu, em cinco ambientes dedicados ao guarda-roupa da pintora. Os itens que compõem a mostra foram descobertos em 2004, em uma área da Casa Azul que só foi explorada mais de cinquenta anos após a morte de Frida.

Logo na entrada, o texto da curadora Circe Henestrosa – sim, bem esse texto que as pessoas geralmente não param pra ler – diz que “a exposição revela a consciente eleição de Frida por vestir indumentária tradicional tehuana para estilizar sua figura e construir sua identidade a partir de sua incapacidade física, da tradição, da moda e do vestido”.

E o incrível da mostra é justamente esse: apontar para os itens que compunham a imagem – icônica – da pintora mexicana e demonstrar que nada ali era escolhido “sem querer”. Não havia item sem reflexão na indumentária de Frida.

Tudo que ela usava, usava para dizer alguma coisa.

Tudo naquelas cinco salas é construído para jogar bem na nossa cara a ideia de que a arte de Frida não estava só nas suas pinturas. Que toda sua escolha de vestimenta – das próteses e corsetes que precisava usar em decorrência das limitações físicas aos vestidos que tinham por objetivo cobrir suas imperfeições sem jamais fazer com que essas limitações funcionassem como atestados de invalidez – tinha uma mensagem.

Uma mensagem de estou aqui, apesar de tudo isso que você está vendo. Uma mensagem de olhe para mim, me veja como pessoa e ouça o que eu estou falando. Uma mensagem bem clara: não sinta dó de mim, me escute como igual, como outro ser humano.

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E, enquanto eu caminhava por aquele pedaço do museu, abestalhada demais por tudo que lia e via para tirar fotos – ainda bem que Renan estava com essa missão – eu não conseguia parar de pensar em duas coisas. A primeira delas, aquele seminário de América, que fiz a mais de dez anos atrás. Eu lembro bem que, enquanto estudava a vida e a obra de Frida, tudo que eu sentia era pena. Como aquela mulher tinha sofrido, eu pensava, consternada. E a pena que eu senti de Frida lá atrás me impediu de ver aquela artista. Tudo isso, no início da semana passada, ganhou outro significado.

Frida sofreu. Sofreu muito. Nós sabemos um pouco sobre esse sofrimento, vimos em filmes, em livros ou só vimos em seus quadros, que demonstram o quanto a vida que a mexicana viveu foi difícil. Mas eu não consigo mais acionar meu sentimento de pena. Não. Ainda bem. Ter visitado a Casa Azul – que antes vivia no meu imaginário como um lugar só de calvários – me fez repensar tudo.

Frida sofreu. Mas Frida conseguiu nos mostrar isso. Ela mostrou pra gente como era o mundo dentro da cabeça dela, como sentia, como vivia e como não vivia. E ela também mostrou pra gente como ela se enxergava, como enxergava seu país, sua cultura tão subjugada por outras. Ela transformou o sofrimento de uma vida em manifesto.

Manifesto pessoal, político, de identidade nacional, de posicionamento. E fez isso com tudo. Com seus quadros, com suas fotos, com suas roupas, com seus acessórios.

A segunda coisa que eu não conseguia parar de pensar na exposição dos vestidos de Frida era que nós podemos fazer a mesma coisa. Só precisamos olhar para nós – inteiros – como as telas sem pintura que podemos preencher. Com os nossos próprios manifestos.

E aí, eu pergunto: o que a gente quer mostrar pro mundo?

Autorretrato, Detroit (1932, inconcluso)

Autorretrato, Detroit (1932, inconcluso)

Marta Savi

Marta gosta de escrever, mas tem dificuldade em fazer pequenos perfis de si mesma. Teoriza tudo. Odeia quartas-feiras. Se pudesse votar em 1993, teria votado no Rei. É ansiosa aqui uma quinta sim e uma quinta não, e toda sexta no ansiosa.blog.

  • Pérola Sanfeice

    Meu, sabe aquela turma toda que aplaudiu o seminário sem entender nada (incluindo eu!)? Ainda mais sem entender aquelas crises de risos? Ignora….
    O que tá valendo é que agora estou aqui, aplaudindo de pé!
    Texto lindo, percepção linda!

    19 de janeiro de 2018 at 23:06 Responder
  • Fabiana

    Paixão por vocês, por esse Blog/Canal e por tudo que consigo aprender aqui.❤️

    7 de fevereiro de 2018 at 11:48 Responder
    • Guid Meinelecki

      SUA QUERIDA! <3

      8 de fevereiro de 2018 at 10:39 Responder

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