“Ah, mas você e seu marido tem um tamanho parecido”, me disse uma moça, sobre o lance das trocas de roupa. Bom, é. Temos.
Mas não foi sempre assim.
Há quase dois anos, fiz cirurgia bariátrica. A bari, como eu gosto de chamar. Foi um processo longo de reflexão – e, como todos os meus longos processos de reflexão, tem um caminhão de textão sobre ele lá no ansiosa. Eu ia dizer que esse processo terminou na opção pela cirurgia, mas não é bem isso. Porque não acho que a reflexão tenha tido fim.
Mas teve começo. Na terapia. E tive um pouco de dificuldade quando comecei a fazer terapia, porque nunca conseguia chegar nos meus conflitos internos. Sempre tinha uma outra coisa, de fora, que eu achava que era mais importante debater. Demorei um pouco – reflexão lenta, né? – pra entender que as minhas questões, se não fossem pensadas por mim, não seriam por mais ninguém. Quando superei isso, pude começar a pensar as outras crises.
Uma das minhas muitas crises com meu peso não tinha bem a ver com o peso em si. Quando penso na minha vida antes da bari, não consigo me ver pensando em querer ser magra. Acho que nunca quis ser magra. Eu sempre quis – na mesma medida que não quis, se é que isso faz algum sentido – me encaixar.
Acho que é um sentimento meio que inevitável. A gente acaba procurando um modelo de encaixe, um padrão. E vai atrás disso, pensando que, quando chegar lá, as coisas vão funcionar melhor. Que a gente vai pertencer. E, penso comigo, é contra esse sentimento de precisar de legitimação externa que a gente deve lutar.
Esse meu processo de reflexão – que gosto, porque tenho apego com palavras, de chamar de revolução – começou quando eu me permiti pensar sobre mim mesma. Não sobre o que eu precisava fazer, ser ou ter, mas sobre como eu encarava o mundo de verdade, o que eu preferia, quais eram as minhas prioridades.
Sim, a via de acesso foi mesmo meu incômodo com meu corpo fora do padrão, que fazia com que eu me sentisse constrangida e culpada, invisível. Mas o que eu descobri é que isso tudo era só uma ponta. O incomodo era externo, mas também era interno – era meu, não era só comigo. Há uma (nem tão) sutil diferença.
A gente não precisa precisar de legitimação externa. A gente pode ser o que a gente quiser. Ninguém precisa deixar, ninguém precisa concordar, autorizar, ninguém precisa nada. O mundo não precisa permitir que a gente exista. Já estamos aqui. Já somos.
Essa é a revolução.