Tô aqui tentando me lembrar de sentimentos diferentes de pânico total e absoluto quando estive envolvida em precisar escolher a roupa que ia vestir no dia seguinte. E é tudo mato lá.
Desde que me entendo por gente, o ato vestir só teve duas marchas pra mim: automático ou traumático.
Eu – essa pessoa toda trabalhada na ansiedade generalizada, nos complexos de pertencimento e no preconceitinho – sempre encarei meu próprio armário com muita desconfiança.
Não.
Sempre encarei meu próprio armário como se ele não fosse realmente meu.
Então mais do que um desafio de estilo, o Desafio de Estilo da Guid, pra mim, foi um desafio de reconhecimento.
E eu sabia disso antes mesmo de saber quais eram as tarefas. Sabia que – no meu contexto – escolher as roupas de acordo com uma diretriz externa seria um trabalho mais complexo do que só escolher as roupas de acordo com uma diretriz externa.
Ansiosa pela terça – saia de saia – e pela quinta – use estampa – já no domingo, optei por um primeiro dia absolutamente dentro da minha zona de conforto. Preto, porque isso eu sabia que tinha. Com esse dia eu não iria ter problema nenhum. Não ia nem precisar pensar muito, mesmo que estivesse pensando.
É assim – desse jeito insano – que a ansiedade de uma pessoa que teme o próprio guarda-roupas opera. Só que, veja bem meu bem, no meio da segunda-feira eu já tava arrependida. Poxa. Chama desafio, do grego “situação ou grande problema a ser vencido ou superado”, né? Aí decidi que pensaria de verdade nos dias que viriam.
Pra que, né, pra que.
Eu não tenho nenhuma única saia no meu armário. Nada. Zero. Cientes disso, as pessoas que estavam acompanhando a minha pequena luta diária estavam – é claro – ansiosas pela terça-feira.
Recorri ao guarda-roupa alheio – da minha irmã – essa única vez. Mas, apesar das diversas crises histéricas que tive naquela manhã, consegui montar um luke de saia que me deixou quase à vontade. Camiseta, mochila, um tênis – ousado, claro, mas ainda um tênis. E saia.
Eu não sei operar com saia na minha vida. Não sei me comportar, não sei andar, não sei sentar, não sei fazer absolutamente nada de saia – e mesmo assim resisti bravamente o dia todo.
Esse dia foi loco.
Eu não sei se já contei pra vocês, mas eu odeio quartas-feiras. Real mesmo. Há toda uma teoria da qual irei poupá-los, mas odeio quartas-feiras. E, por sua vez, as quartas-feiras obviamente me odeiam também. Esse, por dedução lógica diante disso que acabei de dizer, foi o dia mais difícil.
Tenho um monte de roupas coloridas. Então, lá no domingo, quando antecipei todos os potenciais problemas da semana inteira como uma pessoa ansiosa que se preze faria, achei que o dia de combinar cores seria quase tão fácil quanto o dia de sair de tênis. Mas, quando me deparei com o circulo das cores e a aparente lógica de funcionamento de suas combinações, eu dei uma bugada.
Tenho um monte de roupas coloridas. Mas nunca tinha pensado nelas fazendo sentido entre si. Geralmente uso só uma peça colorida, misturada com os habituais jeans preto/azul escuro. Então precisei queimar uns fusíveis na quarta cedo pra encontrar uma combinação possível naquele mundo de cores que, até então, nunca tinham conversado. Suei. Mas acho que deu certo.
Na quinta, eu já estava um pouco mais confortável com meu próprio armário. Parecia que, depois de três dias de trocas de olhares intensos entre a gente, eu estava quase reconhecendo aquelas roupas ali como minhas mesmo.
E eu descobri, no meu guarda-roupas, umas estampas.
De modo geral, elas estão em camisetas temáticas, mas como eu já tinha embarcado de verdade no desafio, optei por não voltar pra zona de conforto da qual eu tinha me arrependido no dia um. Escolhi uma calça que – na vida real – nunca tinha visto a luz do dia. Eu gosto da peça, mas sei que a maioria das pessoas a encaixa na categoria pijama, então nunca tinha usado essa calça de verdade. E ainda combinei com amarelo. Nem gosto muito de amarelo.
Ousada, ela.
Eu tava ansiosa de verdade pela sexta-feira. Desde domingo. Eu amo tênis. E se tem uma coisa que tenho de verdade, essa coisa é tênis. É a parte do meu armário que é mais minha, que mais é capaz de traduzir um pouco da minha personalidade.
Quando eu era mais nova, julgava Mari, minha irmã dona da saia, porque ela tinha um monte de sapatos, sandálias, sapatilhas, botas. Quem diria. Hoje eu tenho um monte de tênis e o mesmo número de pés – dois – que Mari tem, mesmo tendo um monte de sapatos, sandálias, sapatilhas, botas. (Minha mãe sempre disse que a pedra que a gente joga mais longe é a que, no fim das contas, a gente vai buscar)
Mas no domingo, quando pensei na sexta, pensei que seria o dia de voltar ao normal. Qualquer roupa sem pensar, um tênis escolhido a dedo. Só que na sexta, eu já não era mais a mesma Marta de domingo. Pensei muito pra escolher o tênis, mas também pensei muito pra escolher a roupa.
E optei por colocar um pouco de todos os dias – menos de terça, por motivos de não tenho saia – no último luke.
Ele foi monocromático. Teve estampa de herói. Teve combinação de cores. Teve uma meia comprida com bermuda. E um tênis meio que ornando lá.
Não teve preto. Não teve cinza.
Não teve piloto automático.
Gostei tanto desse luke que tô até repetindo ele hoje.
É claro que esse desafio não resolveu todos os meus problemas com meu próprio armário. Pra mim, não é possível chegar num nível Frida de construção de personalidade através das roupas. Também não sou uma pessoa transformada em absoluto depois de cinco dias pensando sobre as roupas que vou vestir antes, mas alguma coisa começou a mudar aqui.
O desafio, do grego “ato de incitar alguém para que faça algo, geralmente além de suas possibilidades”, tem o potencial de ecoar nesse armário.
Esse armário que aparentemente é meu mesmo, não tá só fingindo não.