Na semana passada, rolou por aqui uma publicação incrível sobre dicas de decoração de home office – e, caso não tenham visto ainda, parem a leitura neste momento e passem lá, porque vale a pena. Só que antes de apertar publicar, Aro teve um pé atrás quanto ao conteúdo, porque não é arquiteta.
E isso me fez pensar. Então senta que lá vem textão.
Eu tenho esse mesmo pé atrás o tempo todo. Talvez seja só minha ansiedade falando, mas acho mais provável que todo mundo tenha também. Acho que ninguém tem lá muita segurança pra falar. E, fazendo aqui minha análise, consigo ver duas razões principais pra esse pânico todo, contraditórias entre si e que nos fazem bugar.
- A primeira: temos essa necessidade de legitimar as coisas. É algo meio automático – natural, pra usar aqui uma palavra que sozinha dá um textão. Damos mais credibilidade a qualquer notícia se ela vem seguida de um endosso técnico qualquer. A gente nunca vai conferir se os estudos, pesquisas ou especialistas são efetivamente sérios, respeitados ou mesmo se existem, é claro, mas nos sentimos mais seguros assim. Se a pessoa tem um diploma que a autorize a falar sobre aquele assunto, ótimo. Se o certificado não aparece colado ao nome de quem quer que diga qualquer coisa, tendemos a descartar o que vem depois da vírgula.
- A segunda: exigimos de nós mesmos o tal do conhecimento transversal. Ninguém pode mais ficar fechado na sua área de especialização, sob pena de ser considerado alienado do mundo como ele é (há um outro textão em potencial aqui). Você não pode ser só um conhecedor da sua área, você precisa saber da última sobre as irmãs Kardashian e conhecer a música nova do Drake (tem uma música nova do Drake?) – e precisa ter lido a mais recente análise socioeconômica do país e ter formado um opinião embasada sobre a taxa Selic. E como tudo isso está conectado, porque é claro que está. Não pode mais dizer não sei. Não anda sendo permitido um não tenho opinião formada sobre isso.
A gente acaba ficando no meio do fogo cruzado dessas duas pontas. Piramos. E aí nos seguramos nos diplomas. Os certificados acabam virando nosso ponto sólido no meio dessa conversa toda líquida (#sddsBauman).
Mas vamos pensar um pouco mais. Porque a gente confia tão cegamente num pedaço de papel? Tá. Num pedaço de papel bonito (há debates), em letras douradas, numa gramatura maior que um sulfite qualquer, que precisa assinar um caneta especial, claro, e que a gente comumente bota num quadro. Mas ainda sim um pedaço de papel.
“Ah, Marta, mas você só consegue um diploma se passa por um curso sério, por um monte de provas, de testes, de simulações, de contatos controlados com as situações reais”, minha cabeça ansiosa sabe que é exatamente isso que você tá pensando enquanto lê esse texto e balança a cabeça em evidente negativa.
E eu te digo, correndo: concordo. Mas também discordo. “Advogados”, você pensa, lembrando da minha etiqueta. Pode ser. Mas não é só isso.
Não duvido que um diploma seja capaz de dizer que você é algo. É claro que diz. É, no fim das contas, a função dele dizer. É importante, necessário e demonstra que as regras e os balizadores para formar profissionais foram respeitados no desenvolvimento do detentor daquele certificado. Não estou defendendo aqui que devemos destruir a escola, quebrar os departamentos e botar a universidade abaixo. Eu sou acadêmica, não sei se um dia serei capaz de dizer uma coisa dessas, embora às vezes tenha vontade.
Mas o que o diploma não diz é que o diplomado é só aquela coisa que tá escrita lá, em letras douradas. O certificado diz que há ali um profissional habilitado, mas não diz que aquela pessoa sabe tudo, absolutamente tudo, sobre a área. O pedaço de papel nos diz apenas que quem tem o nome ali detém algumas ferramentas específicas que permitem falar sobre algumas coisas de uma posição de conhecimento técnico. O pedaço de papel não diz que quem tem o nome ali detém a exclusividade de ser aquela coisa sozinho.
Ninguém é detentor exclusivo de conhecimento nenhum. O conhecimento não tem um dono. Ele tá aí pra quem quiser – e um curso com diploma no fim é só uma das formas de se adquirir conhecimento.
Ninguém é só o que um diploma diz que é. E ninguém precisa de um diploma pra validar o conhecimento que tem. No fim, tudo que você sabe pode virar ferramenta pra você saber outras coisas, de jeitos que às vezes os certificados nem imaginam que seja possível (até porque certificados não devem imaginar nada, são pedaços de papel).
Às vezes é possível ouvir a Aro dizer que uma faixa de cor que delimite a área de trabalho no home office vai deixar o ambiente mais agradável e concordar, porque deixa mesmo. Não precisa colocar uma etiqueta na Aro. Não precisa colocar etiqueta em ninguém.