Oi. Eu sou a Marta. Esse é o Não Repete.
Calma. Calma. Calma. E se esse texto fosse um vídeo, aqui entraria a vinheta.
Guid me fez esse convite já tem algum tempo, mas a primeira coisa que talvez vocês devam saber sobre mim é que tenho uma reflexão lenta sobre as coisas. Tá. Talvez essa não deva ser a primeira coisa. Acho que a primeira coisa que vocês precisam mesmo saber sobre mim é que sou absolutamente ansiosa. Tenho laudo e tudo. Essa combinação de ansiedade e reflexão lenta me causa mais problemas que gosto de admitir, embora já admita muitos deles.
Tomar a decisão de vir aqui é um desses problemas. Esse blog é um belo canal de comunicação, o time Não Repete é composto de gente que sabe muito sobre muita coisa. De gente que tem coisas a acrescentar.
Guid, sabe o que é e como usar uma saia midi com uma blusa de veludo. Aro, sabe dizer se pode colocar objetos quadrados e redondos no mesmo aparador. Renan, consegue explicar a usabilidade do pinterest. E eu? A única coisa que eu tenho a acrescentar, penso comigo, são dúvidas.
Afinal, quem, no mundo real, quer saber detalhes sobre os desdobramentos do perdão do rei no império português do antigo regime? Quem quer saber, de verdade, sobre todos os recursos que podem arrastar qualquer processo por décadas? Fala sério.
Minha cabeça funciona assim mesmo. Como se fosse o saguão de espera do Tribunal Regional Eleitoral no último dia do prazo para regularizar o título de eleitor com identificação biométrica.
Mas o Não Repete tem alguma coisa, sabe? Tem alguma coisa.
Eu não sou uma pessoa vaidosa. Tenho um estilo bem simples, calça jeans, camiseta de herói, moletom. Tênis. Costumo dizer que, durante os dias úteis, interpreto uma persona. Faço cosplay de advogada em horário comercial. Não consigo me identificar com quase nenhum símbolo dessa profissão e uma das maiores felicidades recentes da minha vida é que posso, mais dias do que não, ir trabalhar com meus tênis coloridos.
Mas o Não Repete tem alguma coisa, sabe? Tem alguma coisa.
Guid costuma dizer que o que ela faz é encorajar mulheres a vestir o que quiserem. Eu costumo pensar, cada vez que ela diz isso, que o que ela faz é muito maior – e olha que isso que ela diz que faz já é enorme. Ela tem uma proposta bem mais libertária e ampla do que essa. Explico. Com um exemplo, a melhor forma que conheço de explicar alguma coisa.
Desde que me entendo por gente, sempre quis ter cabelos curtos.
E uma das memórias mais felizes da minha infância foi uma vez em que eu pude, devia ter nove, dez anos. Pude cortar meu cabelo tão curtinho que, na nuca, o cabeleireiro passou a máquina. Foi a glória. Eu absolutamente amo passar a mão em cabelos raspados de máquina crescendo. Acho que é uma das sensações que mais amo na vida – vá entender. Me dá paz. E ansiosos não são pessoas que costumam ter paz.
Mas só foi aquela vez. Nunca mais pude cortar meus cabelos curtinhos. Sempre tinha algum empecilho. Parece menino. Cabelo curto dá muito trabalho. Você vai precisar cuidar muito e nem secar você seca. Não vai poder amarrar. Você vai ficar com cara de bolacha. Vai precisar usar um monte de maquiagem. Não, Marta, melhor não.
Eu tenho quase vinte e nove anos na cara. Já deixei a casa dos meus pais. Já pago minhas contas. Já tenho emprego, profissão, uns diplomas. Já me mando.
Mas no meu cabelo eu nunca tinha conseguido mandar.
Cada vez que ia cortar meu cabelo eu pedia a autorização pra outra pessoa. Isso mesmo. Não era uma opinião, um “tô pensando em fazer isso, o que você acha”. Era autorização de verdade. Mãe, irmãs, Renan, amigas. Posso cortar o cabelo? E eu sempre soube que isso era um problema, lá no fundo. Mas não sei, acho que na maior parte do tempo a gente não entende direito o que faz, só vai fazendo. E eu fui fazendo assim.
Já conheço a Guid há uns seis anos. Mas eu tenho reflexão lenta sobre as coisas (retornar ao começo em caso de dúvidas). Demoro pra pensar sobre elas. Demoro pra formular a tese, a antítese e a hipótese. Depois demoro pra fazer a pesquisa necessária para comprovar empiricamente essas assertivas.
Mas aí eu decidi. Um dia eu decidi. Eu vou cortar meu cabelo curtinho. Fiz um board no pinterest. Salvei várias referências, como eu tinha aprendido com Renan. Marquei horário. Cortei. Não perguntei pra ninguém se eu podia. Claro que eu podia. E me libertei de uma prisão que, talvez, eu nem soubesse que estava lá. Mas ela estava. E eu mesma tinha construído aquela cela – o que é, fato comprovado, o pior tipo de prisão que existe.
E hoje eu tô aqui.
Oi, eu sou a Marta. E esse é o Ansiosa no Não Repete.
Vamos juntos planejar umas fugas?