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o mundo upside down

Esses dias, eu e Guid marcamos de tomar café da manhã.

A gente tinha umas coisas pra conversar, estávamos bastante focadas falando sobre nossos assuntos de pauta quando, não mais que de repente, Guid começou a falar de mapas. E isso aqui aconteceu:

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Não sei se vocês notaram – talvez aquele texto da tartaruga cósmica possa ter dado uma dica – mas eu tenho essa pequena obsessãozinha.

Mapas. Sou alucinada pelas formas de representar o mundo no papel. Hoje, com um pouco mais de leitura teórica na bagagem, sei que tudo que fazemos é uma representação, um discurso, uma construção narrativa sobre alguma coisa.

Mas quando esse lance com mapas começou – talvez na sexta série – não era isso ainda. Era só aquele sentimento de meldels isso aqui é o mundo de criança mesmo. Que não passou nunca mais.

Só piorou. No Ensino Médio, quando descobri o universo das projeções cartográficas, eu pirei. Eu não conhecia outras formas de colocar o mundo no papel que não fosse a clássica Projeção de Mercator – essa mesma que todo mundo conhece.

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Pra mim, essa era a representação real do mundo, assim como deve ser pra maioria de vocês. Nós, o quinto maior país do planeta, aqui espremidos no cantinho inferior esquerdo, a Groelândia, uma ilha, lá em cima, do mesmo tamanho que a gente (ou até maior!).

E tudo bem. Essa projeção – a “oficial” desde o século XVI – não tá errada. Não teria sido tão popular por tantos séculos se representasse os continentes de forma absolutamente distorcida. Só que ela é só isso: uma projeção, uma tentativa de fazer com que um mundo redondo (ao que tudo indica!) caiba numa superfície plana. Por razões óbvias, é impossível acertar completamente.

Mas, criaturas de hábito que somos, a gente quase não fala sobre isso. Usa esse mapa e pronto. A gente naturalizou que o mundo é assim.

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E é isso – mais do que qualquer outra coisa – que me encanta na proposta da Projeção de Gall-Peters. Arno Peters, o cara que desenvolveu esse outro modelo de mapa, também não fez um mapa 100% correto. Mas ele relativizou coisas que, pra nós, são naturais.

Como o tamanho da Groelândia. Como as noções de em cima e embaixo. Como a própria noção de centro do mundo. Os mapas não possuem apenas uso prático, também são instrumentos ideológicos. A Europa no meio superior de todo mapa, um pouco mais inchada em tamanho do que deveria ser, reflete um pensamento construído ao longo de séculos de dominação cultural e ideológica de lá pra cá.

Oras. Se somos mesmo um planeta redondo que gira a esmo no universo, não existe em cima e embaixo, não existe centro do mundo. Não existe um marco zero. O meridiano de Greenwich só divide o mundo entre ocidente e oriente e nos diz o fuso horário de acordo com a sua hora porque alguém concordou com isso.

O manifesto que vem junto com o mapa de Peters é incrível. Diz:

“A terra é redonda. O desafio de qualquer mapa-múndi é representar uma terra redonda numa superfície plana. Existem, literalmente, milhares de projeções. Cada uma delas tem certas forças e fraquezas correspondentes. Escolher entre elas é um exercício de esclarecimento de valores: você precisa decidir o que é importante para você.”

Eu e Guid, completamente desvirtuadas de toda a pauta que tínhamos pra tratar naquele café da manhã, ficamos horas falando sobre isso.

E, no fim das contas, o objetivo de toda essa conversa é só um. Fazer com que a gente pense um pouco sobre como naturalizamos as coisas só porque estão postas antes de chegarmos aqui.

Fazer com que a gente pense antes.

Antes de falar que as coisas são assim mesmo, escritas na pedra. Antes de escolher qual mapa que nos traduz o mundo. Antes de concordar com as coisas naturais. Tudo pode ser desnaturalizado.

Mapas. Tipos de corpo. Estilos. Roupas. Sapatos. Cortes de cabelo.

Marta Savi

Marta gosta de escrever, mas tem dificuldade em fazer pequenos perfis de si mesma. Teoriza tudo. Odeia quartas-feiras. Se pudesse votar em 1993, teria votado no Rei. É ansiosa aqui uma quinta sim e uma quinta não, e toda sexta no ansiosa.blog.

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